Neuroeconomia: A Grande Maioria das Decisões Tem Um Componente Emocional

“Os seres humanos são criaturas emocionais e isso afeta a nossa tomada de decisão e a dos mercados. Também somos criaturas biológicas, temos necessidades e desejos que são movidos por fisiologia.” Paul Zak, neuroeconomista norte-americano

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Considerado um dos fundadores da neuroeconomia, o americano Paul Zak é o próximo e último conferencista da edição 2013 do Fronteiras do Pensamento (POA 04/11; SP 06/11). Zak foi um dos primeiros a apontar que a tomada de decisões econômicas também é influenciada pela química cerebral. Apoiado em experimentos científicos, o pesquisador relaciona o hormônio ocitocina à moral e diz que é justamente o nível de confiança dentro de uma sociedade que determina a prosperidade de um país. Economista, matemático e doutor em neuroimagem pela Universidade de Harvard, concedeu entrevista ao jornal Zero Hora:

Zero Hora: O senhor recentemente escreveu um livro abordando o impacto dos hormônios na tomada de decisões econômicas. Como a biologia, a racionalidade e a emoção se relacionam no processo de escolha? Paul Zak: Os seres humanos são criaturas emocionais e isso afeta a nossa tomada de decisão e a dos mercados. Também somos criaturas biológicas, temos necessidades e desejos que são movidos por fisiologia. O que minha pesquisa tem mostrado é que pequenas mudanças na química do cérebro podem ter profundos efeitos comportamentais. Se vamos colaborar com os outros ou tentar tomar o dinheiro deles, se escolhemos investimentos seguros ou de risco, e se agiremos de forma ética ou se nos comportaremos como psicopatas.

Zero Hora: Alguma decisão pode ser totalmente racional? Paul Zak: Não. Nem uma sequer. O cérebro é um órgão integrado e apesar de conseguirmos contar para os outros e para nós mesmos as razões de uma determinada escolha, ambas — emoção e cognição — afetam as decisões. Ao longo de 10 anos de pesquisa, os resultados mostraram que a maioria das decisões tem um componente emocional.

Zero Hora: Qual aspecto tem o maior impacto sobre a escolha do consumidor: biológico, emocional ou racional? Paul Zak: Não há maneira elegante de separar os efeitos. O seu cérebro está trabalhando o tempo todo, você apenas não está ciente disso. Os humanos são criaturas de manada, mais afetados por aquilo que os outros estão fazendo do que admitem.

Zero Hora: Podemos dizer que o hormônio ocitocina torna as pessoas moralmente mais confiáveis? Paul Zak: Sim. Quando o cérebro libera ocitocina ficamos mais sensíveis às pessoas. Mais empáticos, compartilhamos emoções com os outros. Raramente machucamos ou tratamos mal as pessoas com quem compartilhamos emoções, porque isso nos causa dor também. É neste sentido que a ocitocina é um hormônio “moral”. Uma maneira de pensar sobre isso é que a ocitocina evoluiu nos mamíferos para motivar os cuidados com a prole. A ocitocina humana é tão forte que faz nos preocuparmos também com completos estranhos. Nos seres humanos, a ocitocina faz com que tratemos estranhos como se fossem da família.

Zero Hora: O senhor chama a ocitocina, um hormônio associado ao sexo feminino, de “molécula moral” e afirma que a testosterona inibe sua ação no organismo. Podemos dizer que as mulheres são biologicamente mais generosas do que os homens? Paul Zak: Sim, nós descobrimos isso de forma consistente em experimentos com dinheiro — as mulheres são mais generosas, confiáveis e caridosas porque liberam mais ocitocina em praticamente todas as circunstâncias. É por isso que elas tendem a ser atraídas por profissões “de ajuda”, como ensino e enfermagem. Os homens também entram em profissões devido ao alto grau de testosterona, como policiais, bombeiros ou militares. As mulheres podem fazer esses trabalhos, mas uma maioria de homens ama essas profissões.

Zero Hora: O senhor afirma que países com uma maior proporção de pessoas confiáveis são mais prósperos porque neles ocorreriam mais transações econômicas e isso geraria riqueza. Não é um tanto determinista? Paul Zak: Nós acreditamos que o ambiente jurídico, econômico e social cria condições de confiança. O país com maior índice de confiança no mundo é a Noruega, onde cerca de 67% das pessoas confiam umas nas outras e há apenas alguns sobrenomes, todos estão relacionados, e onde a estrutura legal é estável e justa e o ambiente econômico, previsível. No Brasil apenas 8% das pessoas dizem confiar em estranhos. Isso não quer dizer que brasileiros não liberam ocitocina. Isso significa que o ambiente no Brasil é tal que a maioria das pessoas não confia em estranhos. Se um homem chega em casa no Natal e seus filhos vêm abraçá-lo, vai liberar ocitocina. Mas quando esse mesmo homem contrata serviços do outro lado do país, ele terá muito cuidado, a menos que conheça bem a empresa. Quando o cérebro produz ocitocina, não passamos a confiar automaticamente em todo mundo, só temos um sutil aumento da crença na bondade do outro — a menos que haja provas em contrário.

Zero Hora: Em que medida o uso das emoções é importante para obter sucesso no mundo dos negócios frente a qualidades “classicamente aceitas” como racionalidade e agressividade? Paul Zak: É tudo sobre relacionamentos. Com as pessoas que trabalham com você, com os clientes e com os fornecedores. Se alguém consegue bons resultados, mas não sabe motivar as pessoas a trabalhar e a inovar, em última análise, será um gerente fracassado. O dinheiro é um motivador frágil no trabalho, mas acreditar no propósito da organização e se preocupar com quem você trabalha são motivadores poderosos. Muitas empresas se diferenciam pelo atendimento ao cliente. Se eu realmente me preocupar com os clientes, vou tratá-los com bondade e fazer isso com alegria. Muitos negócios se baseiam em servir às necessidades dos outros, um ato moral. Neste sentido, mercados promovem a moralidade.

Zero Hora: No Brasil, a neuroeconomia é um campo relativamente novo de estudo. O tema já tem o devido reconhecimento no meio acadêmico americano? Paul Zak: Neuroeconomia como área do conhecimento tem em torno de uma dúzia de anos e agora temos doutores que são especialistas nesta área. Departamentos de economia estão contratando neuroeconomistas porque já entenderam que os estudos do cérebro são fundamentais para compreender e prever o comportamento humano. Sete ou oito anos atrás doutores não conseguiam emprego como neuroeconomistas.

Zero Hora: O senhor foi eleito um dos 50 cientistas mais atraentes do mundo pela revista Business Insider. A beleza ajuda ou atrapalha o trabalho acadêmico? Paul Zak: Beleza é principalmente genética, então eu agradeço aos meus pais por isso. Como fui um dos primeiros neuroeconomistas e gosto de falar com o público, me tornei uma espécie de porta-voz. Fico energizado quando vejo pessoas emocionadas com a ciência e o que ela pode nos dizer sobre a condição humana. O meu trabalho sobre a ocitocina, por exemplo, sugere que deveríamos aceitar mais as diferenças no comportamento humano. As pessoas são diferentes e eu acho que nós deveríamos abraçar essas diferenças e não reclamar delas.

(Notícia publicada na Zero Hora – impressa – dia 27/10/2013. Leia esta entrevista no site da Zero Hora)